Cultura

Praça Santa Luzia – a história cedeu lugar ao abandono em forma de concreto

Um dos espaços mais simbólicos de Patrocínio perde sua identidade sob decisões urbanas que desrespeitam a memória coletiva

Durante décadas, a Praça Santa Luzia foi muito mais do que um ponto no mapa da cidade. Localizada no coração de Patrocínio, aos pés da bela e imponente igreja que leva o mesmo nome, ela acolheu gerações. Ali, famílias se reuniam aos fins de semana, crianças corriam entre os brinquedos, amigos se encontravam nos bancos e o movimento dos trailers e lanchonetes criava uma atmosfera vibrante e cheia de vida.

Era, acima de tudo, um espaço de pertencimento.

Mas o que se vê hoje é desolador. Em meio à pressa por mudanças que muitos consideram mal planejadas, a praça perdeu seu traço mais importante: sua identidade. Jardins que antes emolduravam o espaço com harmonia foram substituídos por intervenções genéricas e sem diálogo com a história local. O calçadão mostra sinais de desgaste, o paisagismo original foi desfeito e a sensação predominante entre os frequentadores é de abandono.

O contraste com a igreja restaurada em 2019 salta aos olhos. A beleza e o cuidado dedicados ao templo católico — restaurado com respeito à sua história — deveriam ter se estendido ao seu entorno. Em vez disso, o que restou foi um espaço descaracterizado, onde o concreto parece ter engolido a memória.

Decisões administrativas e escolhas de planejamento urbano — cujos responsáveis atuam ou atuaram na gestão pública — alteraram profundamente a configuração da praça. Embora não se tenha notícia de intenção deliberada de desrespeito, o impacto dessas ações gerou desconforto e revolta em grande parte da população, especialmente entre aqueles que têm laços afetivos com o local.

É legítimo e necessário modernizar. Mas modernizar sem ouvir, sem cuidar, sem preservar o que a cidade construiu ao longo do tempo, é apagar histórias. E isso é o que mais fere: a sensação de que tudo foi feito às pressas, sem consulta pública, sem empatia com quem vê naquela praça mais do que um ponto de lazer — vê um pedaço da sua própria vida.

Ao ser erguida nos anos 1960, a Igreja de Santa Luzia passou a representar a continuidade da fé de gerações, e também um marco arquitetônico na paisagem urbana de Patrocínio. Com influências visíveis dos estilos românico e gótico primitivo, a construção mistura tradição e imponência em cada detalhe.

A escadaria que leva às três portas em arcos ogivais convida à contemplação, enquanto as torres verticalizadas impõem respeito e admiração. No interior, a capela-mor em planta semicircular, com nervuras delicadas e altar de mármore e granito, reforça a beleza do templo. Mesmo sem registros sobre o autor do projeto, a igreja se impõe como testemunha do tempo, reunindo em suas formas a memória espiritual e estética de uma cidade que cresce, mas ainda busca preservar sua essência.

A Praça Santa Luzia merece mais. Merece cuidado, escuta e compromisso com a memória de um povo que sempre a valorizou. Ainda há tempo de reverter esse cenário. Basta querer ver a cidade com os olhos de quem a ama — e não apenas com os olhos de quem administra.

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